segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Viajar por Paris

Paris é uma cidade incrível, e perfeita para aproveitar durante o dia. Tem tudo o que se pode esperar de uma grande metrópole: a grande Paris tem 10 milhões de habitantes, e você encontra o comércio funcionando até tarde, grandes promoções (é possível comprar botas de inverno a 10 euros do final de fevereiro ao começo de março, eu trouxe de lá praticamente uma sapataria....), feiras de artesanato, roupas, legumes e tudo mais, cinemas, restaurantes, cafés, e um monte de outras coisas encontráveis nas cidades grandes. Tem tudo o que se pode esperar de uma cidade turística: só de atrações imperdíveis, podemos contar umas cem; mesmo que você vá a um lugar diferente todo dia, em um mês ainda haverá muita coisa para ser vista. Tem tudo de uma cidade artística: além do Museu do Louvre (dois dias pelos menos para poder conhecer tudo. Após as 18 horas, o preço diminui, mas isso só vale a pena se você for conhecer o Louvre a prestação. O bom mesmo é chegar cedo e passar o dia, e ainda assim você não verá tudo num dia só...), tem o museu Picasso, com várias obras do artista, e a história de sua vida e de suas criações, o Museu D'Orsay, com algumas preciosidades de Matisse, Picasso e Miró e o artístico-histórico Museu Carnavalet, perto do museu Picasso, que conta a história da cidade passando pela paris de todos os períodos até a paris dos anos 20, com direito a visitar o quarto de Marcel Proust. Aliás, é tanto museu que eu encontrei até um deles dedicado exclusivamente à magica, no caminho entre o quartier St. Paul e o Marais.

Todos estes museus são bem pertinho uns dos outros, mas você precisará de pelos menos dois dias para visitar tudo, se passear por um de manhã e outro à tarde. E atenção aos horários: o Museu Picasso fecha nas terças feiras, e a maioria só fica aberta até às 17h.




Agora, para conhecer um pouco mais sobre a cidade, nada melhor do que usar um recurso mais do que parisiense: um museu. O museu da cidade de paris conta sua história, com direito a maquete, numerações antigas, reproduções de salões de cada século (uma casa na época de luís XIV, o palácio na época de maria antonieta e assim por diante), uma reprodução da tomada da bastilha e até o quarto original de Marcel Proust, onde ele escreveu boa parte de À la recherche du temps perdu!!!!




Além disso, andar pelas ruas do Marais e do Quartier St. Paul já é completamente artístico: o bairro é um museu a céu aberto, com direito a váááárias galerias de arte, nas quais você pode entrar para olhar as exposições, e vários brechós.






Tem até um museu dedicado à mágica!!! O museu da curiosidade e da magia mostra truques, tem reproduções de magos em tamanho natural, fotos e apresentação ao vivo.




Para ninguém se perder no quartier st. paul, aí vai um mapa das galerias, ateliers e outros espaços artísticos da região, que está ilustrado em uma das estaçoes do metrô.





Paris tem também tudo o que se pode imaginar de uma cidade histórica: a

maioria dos prédios remete à renascença, e em vários deles existem placas contando os acontecimentos relativos à história da cidade que ocorreram naquele local. Em outros locais, há placas informando que ali morou um grande escritor ou artista. Assim, você conhece a história de paris simplesmente de andar pela rua.

No final das contas, não é preciso estar em outro local: se a pessoa gosta de uma programação cultural, três meses em paris valem por uma viajem a um país inteiro.










segunda-feira, 26 de julho de 2010

Estrada de palavras

Como também podemos viajar num livro, resolvi publicar aqui minha lista de escritores malditos. São histórias pessoais de grandes escritores que viajaram por aí sem saber direito para onde estavam indo.
Henry Miller - Trópico de Câncer: uma viagem pela paris dos anos 20
Jack Kerouac - Pé na estrada (On the road): a geração beat cruza osEUA na década de 1950
Anais Nïn - Pequenos Pássaros: amante de henry miller, escreveu histórias eróticas e manteve um diário por 50 anos, enquanto ia de um lugar para outro e recebia todo mundo em casa.
Walter Benjamin - Haxixe: um dos maiores pensadores do século XX, viajou em uma experiência com a maconha antes de viajar para a França fugindo do nazismo e depois viajar para a morte, cometendo suicídio para não ser levado a um campo de concentração.
Charles Buckcowiski - Misto Quente: viajou para cima e para baixo na companhia da máquina de escrever e da bebida. Na maioria das vezes, acordava sem saber direito aonde.
John Fante - Pergunte ao pó: embora não seja biográfico, tem muitíssimo do autor na história beat de um jovem tentando a sorte em um hotel barato de Los Angeles.
Francis Scott Fitzgerald - Suave é a noite (Tender is the night): o que Henry Miller aprontou em Paris, Fitzgerald aprontou na Riviera Francesa. Aliás, os dois eram amigos.
Álvares de Azevedo - Noite na taverna: uma viagem pelas situações mais esdrúxulas no romantismo do século XIX.
Fernando Sabino - Encontro das águas: uma viagem para Manaus, em que ele não tem a mínima idéia de porque foi até lá.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O relógio de Praga

O relógio de Praga

Praga é realmente uma das cidades mais bonitas da Europa. Para mim, o único defeito da cidade é ser excessivamente turística, pois todo lugar que tem o turismo como principal atividade me parece um pouco artificial, um pouco fabricado. Agora, isso não tira a beleza e a excentricidade de uma cidade em que boa parte dos prédios pertence ao século XII e boa parte das suas mulheres tem duas cores no cabelo. É serio, você vê várias mulheres em Praga de cabelos loiros com uma faixa preta ou rosa, ou luzes vermelhas, por exemplo. O lugar forma, junto com Amsterdã, os dois pontos turísticos da Europa mais visitados pelos próprios europeus: Amsterdã é para os jovens, Praga para os enamorados. É incrível a quantidade de casais em lua de mel por lá, e com razão, pois a cidade é linda.

Para mim, jovem e solteira, a diversão foi conhecer as histórias de cada espaço, pois num lugar onde tudo tem mil anos cada pedra pode ser narrada. Explorei a casa de Kafka, a ponte do castelo – o castelo de Praga é o maior castelo do mundo na atualidade – e a vista de cima da igreja. Fiz também uma caminhada. Se você fala inglês, precisa fazer uma, é um jeito diferente e muito bacana de conhecer a cidade: os guias contam várias histórias diferentes sobre cada lugar, e existem caminhadas de todos os tipos – escritores de Praga, histórias medievais, descobertas de Praga, Praga histórica. Fiz uma à noite, sobre as lendas de terror medievais, e descobri, por exemplo, que na Idade Média acreditavam que uma banshee morava na igreja das duas torres, gritando durante as noites pelo noivo que abandonou na terra e que trabalhava na igreja. Foi por causa de seu grito que uma das torres quebrou, e foi consertada de um modo diferente (repare uma janela a mais na torre da esquerda). Mas o mais incrível de todas as excentricidades da cidade é mesmo o relógio astrológico, construído no século X em plena igreja da praça central! (foto 0896) Esta é uma outra igreja bem próxima à anterior.
Aliás, a cidade tem umas quatro igrejas só no centro, e é emocionante ver ouvir todos os sinos badalando juntos em meio àquela paisagem – você se sente na idade média...
Voltando ao relógio: ele tem duas partes, uma representando os signos
e outra as casas do zodíaco, e ninguém, ninguém mesmo, sabe como ele foi parar lá, o que mede ou como funciona.











A teoria mais aceita era a de que ele era utilizado por alquimistas na Idade Média, que eram também os responsáveis por produzir os vitrais das igrejas. Posteriormente, em Dijon, meu padrinho, que leciona física na Universidade de Dijon, contou que atualmente os físicos sabem que as diferenças de cores são produzidas por nanopartículas, que os alquimistas sabiam manipular muito bem, embora não conhecessem sua estrutura. Para que será que servia o relógio astrológico?

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Porto Alegre e o Rio Guaíba

Quando fui a Porto Alegre num congresso, em 2003, tudo o que queria, além de apresentar meu trabalho, era aproveitar minha primeira viagem sozinha. Como em POA não tem albergue (uma pena) hospedei-me num hotel muito bacana e não muito caro, que ficava num clube (http://www.farrapos.org.br/hotel.htm Como todos os hotéis estavam lotados e não tinha mais lugar, fiz um acordo com a gerente de ficar num quarto numa casa no clube (muito bem estruturada) por 15 reais a diária. Quarto e banheiro só prá mim. Uma pechincha, ao lado da PUC-RS, onde seria o Congresso. Depois mudei-me para a casa da minha tia. Uns colegas de faculdade iriam também, mas acabei prefirindo ficar sozinha.
Peguei um ônibus para o centro e percorri toda a cidade, fiz compras, conheci o centro passei num posto turístico e peguei o ótimo guia, com pontos para conhecer. Estava tendo bienal, ao lado da Usina do Gasômetro (rua de mesmo nome) e eu fui visitar (você pode pegar os pontos turísticos em http://www.inf.ufrgs.br/turismo/poa/lista.html). O Gasômetro é uma usina desativada que virou museu, na frente do rio Guaíba. Todo mundo vai lá, ver o pôr do sol. Na bienal, fiz amizade com umas meninas de brasília que foram para o congresso, depois elas foram embora e eu fui ver o pôr do sol. Ao meu lado vários grupos tocando violão e fiquei embasbacada com a paisagem. Comecei desesperadamente a fotografar, gastei um filme de 36 poses, depois fiquei horas paralizada e por último comecei a escrever, tentando descrever a cena e o que eu estava sentindo. Assim ficou:


"Mário Quintana Só podia ternascido em proto alegre. O sol do gasômetro refletindo sobre as águas azuis do Rio Guaíba é pura poesia sobre o doce verde da outra margem. O sol se recolhe para seu descanso noturno, assistido por dezenas de pessoas sentadas na grama já batida, sensíveis o suficiente para não se incomodar em sujar a roupa, em parar um minuto no intenso agito da cidade, para apreciar o espetáculo. Esses poucos custos não são nada comparados ao explendor desta experiência. Aí está o mundo, apenas para nós felizardos que podem observar e sentir a calma de uma descida lenta, amarela, rosada e anil. De todas as cores. E de todos os climas, já que ora esquenta, ora esfria, ao balanço da disputa entre o sol e o vento. A mata na outra margem, que serve de leito ao sol como uma mãe que delicadamente recolhe seu filho nos braços, aos poucos mostra também suas formas de cerrado, acompanhada de dezenas de ássaros que riscam o céu, saudando o fim do dia." (10/2003)

Quando fui pegar o ônibus de volta, tinha um sorriso de felicidade estampado no rosto, estava me sentindo livre como nunca. E encontrei meus colegas:

- Nossa Tati, que cara de felicidade é essa?

E o outro:

- Tá na cara que ela encontrou alguém...

Eu nem sabia o que responder. Com aquela absoluta falta de sensibilidade, será que eles entenderiam o efeito que  um pôr do sol é capaz de provocar??? Por que é que a gente só pode ser feliz se estiver encontrado uma muleta para se encostar???? Me poupe. E também não estava a fim de raciocinar muito naquele momento, estragaria meu estado de espírito.

- Encontrei o gasômetro, vocês já foram lá?

-Já.

Eles me olharam sem entender, o que teria o gasômetro de mais? Eu peguei o ônibus, feliz da vida por não ter ido com eles. Ir a Porto Alegre a não se maravilhar com o pôr do sol do Gasômetro é como ir a Roma e não conhecer o Coliseu. O Papa, cá entre nós, é um chato e eu dispenso.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Um dia em Budapeste (em homenagem à net-amiga Francine)

A Francine me perguntou se Budapeste valia a pena. Avaliem vocês mesmos (vc também, Francine!) e comentem o que acham...

Chegamos a Budapeste às sete horas da manhã. A vovó estava supercansada, pois não tinha dormido tão bem na viagem de trem. Pegamos uma cabine com cama para quatro pessoas: a reserva não era tão cara (20 euros contra 100 de uma cabine dupla sozinha e 8 euros de uma com seis pessoas) e ficava mais confortável para ela, mas mesmo assim ela não consegue dormir bem em trens. Como eu tinha feito pesquisa de hotéis antes de viajar e estava com os preços no guia que preparei, recusei quando uma moça me abordou na estação, oferecendo hotéis a 100 euros a diária. Disse que tinha pesquisado alguns a 60 euros e não pagaria aquele valor. Ela então me levou até uma cabine de turismo na estação de trem, “lembrando” que havia um bom hotel em promoção naquele valor (O Matyas, que você pode achar no ótimo site http://www.save-on-budapesthotels.com/) . Se um hotel vai custar a mesma coisa que os albergues que pesquisei, lá vamos nós, porque vai ficar confortável para a vovó, economizamos com um bom café da manhã e ainda por cima o transporte do hotel para a estação e vice-versa está incluído. Assim, ficamos bem próximas à ponte do Danúbio.

A ponte divide a parte Buda e a parte Peste da cidade. Como chegamos às oito horas no hotel, fizemos o check-in e fomos direto para o melhor café da manhã da viagem: além da comida típica européia – croissant, nutella, muitos queijos, havia alguns pratos típicos da Hungria, como algumas espécies de bolo com farinha integral e especiarias que eram uma delícia. O quarto também era um dos melhores da viagem, com uma ducha maravilhosa que eu tomei enquanto a vovó foi dormir. Afinal, estávamos a quarenta dias viajando e já havíamos passado por 10 cidades: o cansaço começava a bater.


Enquanto a vovó dormia, andei pela cidade. Ela era cheia de galerias, acho que iam dar no metrô. Conversei com as pessoas e descobri que a Cidadela era o melhor lugar para conhecer por lá. A vovó já não estava com tanto pique para ir de ônibus, fiquei com medo que ela dormisse no city-tour e preferi fazer por uma agência.



Descolei então uma outra agência de viagens perto do hotel para fazer um passeio, depois fui andar pela ponte do Danúbio, onde descobri um monumento cheio de escadarias que terminava num mirante. O lugar era um verdadeiro labirinto, cheio de árvores floridas e colunas dóricas, com pessoas andando e namorando por ali. Subi no mirante para olhar a cidade.
De lá, eu via o parlamento. Tanto o parlamento quanto as outras construções da cidade, são um misto de arquitetura clássica européia e arquitetura bizantina, dando à paisagem um jeito único.
Uma outra coisa me chamou a atenção: algumas partes da cidade pareciam pouco conservadas, mas também não estavam destruídas. Davam apenas a impressão de que tudo era muito velho. Eu não entendia bem o porque, já que as construções de Paris ou Praga também possuem séculos e estão conservadas. Foi apenas quando fui a Cuba e vi o mesmo “estilo” dos prédios que compreendi que o regime de contenção dos recursos do período comunista havia durante bastante tempo diminuído o investimento na conservação dos prédios. Ainda assim, boa parte da cidade estava conservada e a arquitetura se erguia imponente. Voltei para o hotel ansiosa para conhecer a Cidadela. Sou muito mais as ruínas de um castelo antigo do que o luxo de Versalhes, então realmente a cidadela respondeu às minhas expectativas: cheia de curvas, de galerias por onde você pode olhar a cidade, onde é possível percorrer um monte de caminhos.
Ela é na verdade a fortificação murada de um castelo húngaro, que atualmente é museu. Infelizmente, o museu estava fechado naquele dia, pois estava em reforma durante uma semana, mas ficamos sabendo que ele contava a história do castelo, com armas medievais, fardas reais e tudo mais que um conto de dragão e princesa tem direito.

Do outro lado, existe uma parte do castelo que ainda funciona e de onde nós vimos até a troca da guarda. Em todo o espaço da cidadela, existem algumas pessoas vestidas com roupas medievais que cultivam gaviões e se apresentam para os turistas
Passeamos o dia inteiro, a vovó de vez em quando sentava nos bancos para descansar e olhar a vista, enquanto eu percorria a cidadela de um lado para o outro, tirando fotos de todos os lugares. Depois voltamos com a excursão até o centro, arrumamos um restaurante próximo e resolvemos voltar andando para o hotel, assim conhecíamos melhor a cidade. Quando chegamos na rua que beirava o rio, descobrimos a beleza de Budapeste à noite: a cidade brilha como Paris, mas tem uma vista cheia de cúpulas e árvores que me faz pensar em As mil e uma noites. Sentamos num banco à margem do Danúbio, conversando até quase à meia noite: o melhor mesmo é não voltar.





terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Havana: Charutos e Santerias

A maioria da população de Cuba é afrocubana. É superinteressante ver na rua, vira e mexe, alguém vestido inteiramente de branco por que deu obrigação num terreiro cubano. Ou uma moça que foi jantar toda vestida de amarelo - obrigação de 7 anos para Oxum - no restaurante onde eu estava (um dos poucos onde também vão cubanos, pois a comida é relativamente barata, já que todos lá são aprendizes de garçom, cozinheiro, etc). Aquelas roupas que no Brasil só se vê em terreiro de umbanda e candomblé, em Cuba se vê no meio da rua, e mesmo com uma grande parte da população católica, o respeito e a boa convivência religiosa acontecem numa boa. E há um bairro inteiro de cultura afrocubana, com um totem para Xangô bem no meio da rua! A Santeria cubana é também uma das explicações para os bons charutos: segundo a crença popular, o charuto é capaz de afastar os maus espíritos, o que contribuiu para difundir o seu cultivo por uma ilha onde 55% da população quer afastá-los. A maioria das pessoas que trabalham na fábrica de charutos que visitei (Partagás, atrás do Capitólio, uma das mais tradicionais de Havana, de 1845) eram da santeria, e nossa guia, santeira filha de Iansã, queria muito vir ao Brasil para conhecer os terreiros da Bahia, principalmente o da mãe menininha do Gantois (!). Os charutos cubanos são feitos manualmente, e sua fabricação é muito parecida com a do vinho - precisam ser transportados numa temperatura certa, cada folha, de acordo com seu cultivo, é responsável por um aspecto (aroma, sabor, intensidade), as folhas são separadas umedecidas, e colocadas numa ordem correta, há folhas para o meio e para a capa... E os nomes dos charutos têm origem na própria produção: Monte Cristo, um dos charutos mais famosos de Cuba, tem esse nome porque na sala de produção as pessoas trabalhavam com um funcionário lendo o romance "O conde de Monte Cristo".


Para completar, ao sair da fábrica, na praça ao lado da catedral de Havana, dei de cara com uma santeira típica, lendo cartas, com um charuto enorme na mão, as unhas pretas e dois dentes de ouro. Não resisti a uma foto, é claro.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Andanças por Havana

Fui para Cuba em 2007 com minha orientadora e chefe, num Congresso. Eu tinha uma imagem do país com mais ou menos uma década de atraso, quando a organização social planificada garantia uma excelente qualidade de vida aos cubanos. Depois da queda do muro de Berlim, com a continuação do embargo americano, a situação cubana piorou e, para atrair divisas, o governo começou a incentivar o turismo, e criou uma moeda pareada ao dólar que os turiatas devem utilizar. Assim, para o turista tudo custa 25 vezes mais do que para um cubano e existem lojas separadas, mas muitos produtos os cubanos simplesmente não conseguem encontrar. Essas informações eu tirei na net, num blog ótimo de um estudante brasileiro que estava morando em cuba (http://radicalrebelderevolucionario.blogspot.com/). Também vi as diferenças no dinheiro, porque alguns cubanos tentam enganar os turistas no câmbio. Mesmo assim, quando eu e minha orientadora decidimos andar pela cidade, sem destino, no dia seguinte, passamos por uma situação dessas. Ela começou a conversar com um casal de cubanos, que se propuseram a nos levar para conhecer a cidade. Fomos até a universidade, tiramos fotos com eles, depois fomos para o bairro de cultura afrocubana. É um lugar incrível, cheio de arte afrocubana, quadros, totens, barracas de ervas e muros pintados. No meio da empolgação, ele nos levou a um barzinho e começou com uma história de que na verdade haviam três moedas, e não duas. Pagou nossa conta e disse que nos levaria ao banco. Chegamos lá, mas o ambiente era meio esquisito, e quando trocamos o dinheiro, não nos deram o recibo. Desconfiamos, destrocamos e fomos atrás deles, que já estavam indo embora. Quando nos demos conta, estávamos na parte "cubana" da cidade: descobrimos então, na prática, que existiam duas Havanas. Alguns espaços da cidade destinados ao turismo foram reformados e algo cuidados, enquanto os espaços destinados à moradia dos cubanos estavam em condições bastante precárias: a cidade era um grande cortiço.

Mas não deve ser confundido com favela: não havia ninguém morando na rua, nem gente pedindo dinheiro e passando fome. Simplesmente nada havia sido destruído, mas nada havia sido conservado, então os prédios antigos de arquitetura neoclássica caíam aos pedaços, e as pessoas penduravam roupas nas janelas dos casarões do século XIX.
E enfrentam dificuldades: às vezes falta água, eles não podem comer carne, que é destinada apenas aos hotéis, e os balcões de abastecimento de alimentos do governo estão em péssimas condições de higiene. Fomos andando num calor imenso. Ali não passavam táxis de turista e éramos proibidas de pegar táxi cubano. Paramos um táxi de bicicleta, e pedimos para que aceitasse um dinheiro cubano que tínhamos. Contamos a situação de terem tentado nos enganar e ele disse: "agora vocês conheceram havana por dentro". Ele nos levou até uma praça central de turismo, onde continuamos nosso passeio até encontrar uns guardas, quando decidimos denunciar a tentativa de estelionato, já que tínhamos as fotos do casal. O guarda e todos os guardas com quem falamos depois me cantaram na cara de pau, e não fizeram muita questão de ajudar - nos indicaram uma delegacia e, quando chegamos lá, o delegado disse que não podíamos fazer a denúncia ali, tinha que ser na delegacia próxima do acontecido. Desistimos. E continuamos andando pela cidade, vendo o farol onde acontece a cerimônia do Canhoaço, e várias bombas são soltadas de canhões.
Quem vê aquela havana não imagina a Havana das vielas, logo ali, a duas quadras... Seguimos pelo Malecon, uma das avenidas principais da cidade, beirada pelo mar, por onde os revolucionários tomaram Havana e assumiram o governo. Chegamos às onze da noite, e fiquei espantada de ver o pique da minha orientadora após 13 horas de caminhada: ela tem sessenta e poucos anos, é fumante inveterada e sedentária, mas estava novinha em folha! Quando voltamos ao hotel, o garçom, para quem contamos a história, nos incentivou a denunciar e alertou a segurança do hotel. Ele nos explicou que quem fazia alguma coisa não era a polícia comum, mas a polícia de imigração, que cuidava dos turistas. Como a delegacia era próxima, lá fomos nós no dia seguinte. Qual não foi a nossa surpresa quando a policial de imigração, após pedir nosso passaporte, (que eu não tinha levado, mas que minha chefe forneceu) disse que as criminosas éramos nós, pois tínhamos feito câmbio ilegal, e que ela iria alertar a interpol!!!!! Ninguém merece. Descobrimos também que eles já tinham fotos do rapaz, embora não tivessem da fotos da menina, e que ele agira no mesmo lugar três ou quatro vezes naquele mês. Eles tinham todas as informações, na verdade... E muitos policiais trabalhavam disfarçados entre os cubanos, prendendo não apenas essas pessoas, mas também os contrários ao regime, de acordo com as fichas que vimos na própria polícia. Acabamos saindo de lá algo arrependidas da denúncia, mas ficamos mais tranquilas depois que amigos advogados aqui do Brasil disseram que nada iria acontecer com a gente. Voltamos para as nossas andanças, e só tivemos um susto final na hora de embarcar de volta, quando na cabine de imigração deixaram minha orientadora lá, uns 15 minutos, o policial olhando a foto do passaporte e o computador, a foto e o computador... Não existem armas em Cuba, o roubo é muito difícil, não existe essa nossa violência brasileira, mas em compensação, ainda bem que eles não dependem tanto da polícia, porque a mistura entre ordem civil e problemas políticos é geral.